Thursday 2 April 2015

Fies, Mantega e a Inflação

Dentre os diversos fatores que determinam o desenvolvimento econômico das nações a demografia ocupa um lugar de destaque. Primeiro por que ele é essencialmente determinístico: o perfil etário da população num horizonte de uma década ou duas está mais ou menos definido é possível antever com bastante acuidade a sua evolução ano a ano. Segundo por que de certa forma ele é um componente quase inexorável: a maior ou menor oferta de mão-de-obra em idade ativa é uma força quase irresistível rumo ao desenvolvimento. Precisam prevalecer condições extremamente singulares para que o curso demográfico não seja determinante no desenvolvimento econômico.
Nesta perspectiva o que presenciamos na economia Brasileira nestes últimos dois anos é bastante peculiar. A mão-de-obra empregada estagnou a partir de 2013, subitamente. É muito fácil apelar a explicações ideológicas: teria sido culpa da política econômica. Isto, entretanto, não faz sentido: deveras, a crítica é justamente de que houveram exagerados incentivos na política econômica. Mas isto, por si só, deveria ter ampliado ainda mais a massa empregada, não ocasionado sua estagnação.
Mas o que se passou então? Os dados são claros: houve uma queda relevante da taxa de participação no mercado de trabalho. E esta queda não foi generalizada: concentrou-se basicamente na faixa etária entre 18 e 24 anos. A taxa de não-participação costuma ser bastante estável. Em 2003 29.8% das pessoas entre 18 e 24 encontravam-se fora da força de trabalho segundo o IBGE. Em 2004 eram 29,3%, em 2005 30,5%, em 2006 29,4%, em 2007 29,2%, 2008 29,4%, 2010 30,1%, 2011 29,9%, 2012 30,4%. Típica flutuação da imperfeita mensuração estatística. Algo extraordinário acontece então: em 2013 há um salto para 32,2% e finalmente em 2014 para 34,9%. Nada aconteceu na faixa etária entre 25 e 49 anos. Esta ficou perfeitamente estável em níveis muito baixos de não-participação no mercado de trabalho.   
Não é necessária muita imaginação para se entender o que aconteceu: foi a disseminação vertiginosa do crédito estudantil que de certa forma abriu espaço para que parte dos estudantes pudesse temporariamente se retirar do mercado de trabalho.  Para se ter uma idéia da dimensão do crédito estudantil, em 2010 eram contemplados algo da ordem de 500 mil contratos. No fim de 2014 eram algo da ordem de dois milhões. É algo com dimensão para se ter impacto macroeconômico.
Pois bem, se nossa tese está correta, e o crédito estudantil de fato propiciou a saída de quantidades expressivas de pessoas do mercado de trabalho, é bastante fácil entender o que se passou nos últimos dois anos. Dada a dimensão do choque de oferta de mão-de-obra, a insistência do ministro Mantega de propiciar mais e mais incentivos fiscais numa tentativa de reiniciar a trajetória de crescimento econômica teve como único efeito gerar inflação: em nenhuma circunstância um incentivo fiscal irá promover crescimento sem que haja condições matérias para tal. Se não há mais gente para trabalhar, qualquer tentativa artificial de gerar crescimento terá como consequência a geração de inflação e a destruição das margens de lucros nas empresas.
Percebendo esta dinâmica inusitada da inflação o Banco Central inicia um ciclo de aperto monetário na economia, numa tentativa de segurar a inflação pela contenção das iniciativas do setor privado. Mas eis a grande ironia: subir os juros no Brasil tem um efeito fiscal fortemente expansionista. A despeito das hercúleas, e por vezes irresponsáveis iniciativas de pré-fixação da dívida pública pelo tesouro nacional, o Banco Central faz grandes esforços para desfazer isto. De fato uma parcela muito relevante da dívida pública encontra-se no próprio balanço do Banco Central. A contrapartida destes ativos são as operações de remuneração pós fixada do lado do passivo. Enfim, subir juros significa prontamente aumentar substancialmente o déficit nominal. Como, tautologicamente, a despesa de alguém é sempre a receita de outrem, e por conseguinte, déficit fiscal é renda privada, uma subida dos juros sem uma contrapartida em aperto fiscal é necessariamente expansionista do ponto de vista fiscal. Ela só surte efeito a partir do ponto em que causa estragos nos balanços do setor privado: decisões de investimentos são postergadas, a tomada de risco é desincentivada pelas altas remunerações sem risco, e finalmente os endividados colocam-se em situação delicada.  
Mas qual a política econômica sensata neste caso? Simplesmente tirar o incentivo fiscal. Não há dinamismo algum no setor privado. Muito pelo contrário. Não há justificativa, por conseguinte, para o aperto monetário. Não é necessário controlar o apetite do setor privado. É necessário reconhecer que circunstancialmente não há folga alguma no mercado de trabalho e portanto o estado deve tirar ao máximo seus tentáculos dele. Não por razões ideológicas, simplesmente por uma questão estratégica: este choque de oferta é temporário, e mais cedo do que tarde, a realidade demográfica voltará a se impor e abrirá novamente espaço para uma expansão robusta da economia. Estudar é, no fim do dia, investimento. E, sob certos aspectos, investimento mais importante do que os investimentos do PAC. Pontes poderão ser construídas depois. Educação não.  

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