Dentre os diversos fatores que determinam o desenvolvimento econômico
das nações a demografia ocupa um lugar de destaque. Primeiro por que ele é
essencialmente determinístico: o perfil etário da população num horizonte de
uma década ou duas está mais ou menos definido é possível antever com bastante
acuidade a sua evolução ano a ano. Segundo por que de certa forma ele é um componente
quase inexorável: a maior ou menor oferta de mão-de-obra em idade ativa é uma
força quase irresistível rumo ao desenvolvimento. Precisam prevalecer condições
extremamente singulares para que o curso demográfico não seja determinante no
desenvolvimento econômico.
Nesta perspectiva o que presenciamos na economia Brasileira
nestes últimos dois anos é bastante peculiar. A mão-de-obra empregada estagnou
a partir de 2013, subitamente. É muito fácil apelar a explicações ideológicas:
teria sido culpa da política econômica. Isto, entretanto, não faz sentido:
deveras, a crítica é justamente de que houveram exagerados incentivos na
política econômica. Mas isto, por si só, deveria ter ampliado ainda mais a
massa empregada, não ocasionado sua estagnação.
Mas o que se passou então? Os dados são claros: houve uma
queda relevante da taxa de participação no mercado de trabalho. E esta queda
não foi generalizada: concentrou-se basicamente na faixa etária entre 18 e 24
anos. A taxa de não-participação costuma ser bastante estável. Em 2003 29.8% das
pessoas entre 18 e 24 encontravam-se fora da força de trabalho segundo o IBGE. Em
2004 eram 29,3%, em 2005 30,5%, em 2006 29,4%, em 2007 29,2%, 2008 29,4%, 2010
30,1%, 2011 29,9%, 2012 30,4%. Típica flutuação da imperfeita mensuração estatística.
Algo extraordinário acontece então: em 2013 há um salto para 32,2% e finalmente
em 2014 para 34,9%. Nada aconteceu na faixa etária entre 25 e 49 anos. Esta
ficou perfeitamente estável em níveis muito baixos de não-participação no mercado de trabalho.
Não é necessária muita imaginação para se entender o que
aconteceu: foi a disseminação vertiginosa do crédito estudantil que de certa
forma abriu espaço para que parte dos estudantes pudesse temporariamente se
retirar do mercado de trabalho. Para se
ter uma idéia da dimensão do crédito estudantil, em 2010 eram contemplados algo
da ordem de 500 mil contratos. No fim de 2014 eram algo da ordem de dois milhões.
É algo com dimensão para se ter impacto macroeconômico.
Pois bem, se nossa tese está correta, e o crédito estudantil
de fato propiciou a saída de quantidades expressivas de pessoas do mercado de
trabalho, é bastante fácil entender o que se passou nos últimos dois anos. Dada
a dimensão do choque de oferta de mão-de-obra, a insistência do ministro
Mantega de propiciar mais e mais incentivos fiscais numa tentativa de reiniciar
a trajetória de crescimento econômica teve como único efeito gerar inflação: em
nenhuma circunstância um incentivo fiscal irá promover crescimento sem que haja
condições matérias para tal. Se não há mais gente para trabalhar, qualquer
tentativa artificial de gerar crescimento terá como consequência a geração de
inflação e a destruição das margens de lucros nas empresas.
Percebendo esta dinâmica inusitada da inflação o Banco
Central inicia um ciclo de aperto monetário na economia, numa tentativa de
segurar a inflação pela contenção das iniciativas do setor privado. Mas eis a
grande ironia: subir os juros no Brasil tem um efeito fiscal fortemente
expansionista. A despeito das hercúleas, e por vezes irresponsáveis iniciativas
de pré-fixação da dívida pública pelo tesouro nacional, o Banco Central faz
grandes esforços para desfazer isto. De fato uma parcela muito relevante da
dívida pública encontra-se no próprio balanço do Banco Central. A contrapartida
destes ativos são as operações de remuneração pós fixada do lado do passivo.
Enfim, subir juros significa prontamente aumentar substancialmente o déficit
nominal. Como, tautologicamente, a despesa de alguém é sempre a receita de
outrem, e por conseguinte, déficit fiscal é renda privada, uma subida dos juros
sem uma contrapartida em aperto fiscal é necessariamente expansionista do ponto
de vista fiscal. Ela só surte efeito a partir do ponto em que causa estragos
nos balanços do setor privado: decisões de investimentos são postergadas, a
tomada de risco é desincentivada pelas altas remunerações sem risco, e finalmente
os endividados colocam-se em situação delicada.
Mas qual a política econômica sensata neste
caso? Simplesmente tirar o incentivo fiscal. Não há dinamismo algum no setor
privado. Muito pelo contrário. Não há justificativa, por conseguinte, para o
aperto monetário. Não é necessário controlar o apetite do setor privado. É
necessário reconhecer que circunstancialmente não há folga alguma no mercado de
trabalho e portanto o estado deve tirar ao máximo seus tentáculos dele. Não por
razões ideológicas, simplesmente por uma questão estratégica: este choque de
oferta é temporário, e mais cedo do que tarde, a realidade demográfica voltará a
se impor e abrirá novamente espaço para uma expansão robusta da economia.
Estudar é, no fim do dia, investimento. E, sob certos aspectos, investimento
mais importante do que os investimentos do PAC. Pontes poderão ser construídas
depois. Educação não.
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