É sempre cativante ler, ouvir ou ver o Prof. Mangabeira
Unger. A lucidez lógica do pensamento, a visão abrangente do fenômeno social, a
ótica do direito enquanto atividade transformadora aliados à exuberante energia
promove um espetáculo algo raro nos intelectuais de hoje.
Sua obsessão recente é a promoção do que ele chama de democratização
da oferta através de práticas da vanguarda do capitalismo que, dentre outras
coisas, está fundamentada no princípio de competição cooperativa. Os setores da
vanguarda econômica teriam segundo ele restringido a competição ao essencial, e
fora de escopo praticam modelos cooperativos em busca de ganhos de eficiência.
Isto é claramente evidente no setor de tecnologia de ponta. A explosão dos
esforços cooperativos das grandes empresas de vanguarda em tecnologia é de fato
impressionantes: do financiamento do Linux, passando pela liberalidade de
abertura de códigos (até a temerária Microsoft aderiu à tendência numa tentativa
de manter-se relevante), à proposição de protocolos e sistemas de hardware
padronizados. Dentre várias outras iniciativas.
Mas soa bastante artificial à primeira vista a exposição de
tal modelo de negócios ao Brasil. Falta o exemplo ao professor. O que é
curioso, uma vez que o grande exemplo de vanguarda produtiva no Brasil está na
cara. Quer por esnobismo intelectual, afastamento cultural ou qualquer outro
motivo, passa-lhe desapercebido. A vanguarda produtiva no Brasil é o movimento
evangélico. Não me importa aqui discutir os seus aspectos religiosos, seus
aspectos culturais, ainda que tremendamente interessantes em si mesmos. Quer
olhar o movimento evangélico enquanto fenômeno econômico. Que o leitor não seja
ingênuo: é um fenômeno econômico de monta. O IBGE pode não saber medir, mas é
disparado o setor econômico com maior crescimento, virilidade e consistência
das últimas décadas. E é claramente algo que o Brasil superou o mundo inteiro
em termos de inovação, adaptação e escopo. Para os de fora a abrangência da
atividade econômica não é evidente: não se trata de cultos ocasionais aos
domingos. Existe toda uma gama de atividades circunscritas à vida comunitária
das igrejas que é absolutamente impressionante: aconselhamento espiritual,
psicológico, marital, atividades de convívio, shows musicais, bazares, ações
sociais, literatura, música, teatro, etc. Estamos falando de algo talvez da
ordem de 3% do PIB em atividades econômicas. Algumas remuneradas, outras não:
mas atividades econômicas de qualquer jeito.
Como isto é possível? Justamente pelo princípio da
cooperação competitiva. É óbvio que as diversas igrejas estão competindo entre
si: basta ver a densidade de templos, dos mais extravagantes aos mais simples,
em qualquer grande centro urbano país afora. Nem por isso elas deixam de
cooperar entre si. Quer por motivação espiritual quer por interesse econômico
elas entendem que cooperando são maiores do que simplesmente competindo.
Cooperando elas atentam contra a retaguarda econômica representada pelas
manifestações religiosas tradicionais: católicos, protestantes, espíritas e umbandistas
são igualmente incapazes de enfrentar em pé de igualdade esta nova explosão
econômica. Da mesma forma que as empresas da velha tecnologia são incapazes de
afrontar a vanguarda econômica da nova tecnologia. Ou você adere a esta
vanguarda do sistema produtivo (wallmart talvez seja um grande exemplo), ou
reconhece a inevitabilidade de seu fim (IBM talvez seja um grande exemplo).
Em termos econômicos não há nada de diferente entre o vale
do silício e o movimento evangélico no Brasil. Os dois representam o estado da
arte em seus respectivos setores. Um é celebrado universalmente como exemplo da
nova economia. O outro não parece ser notado por ninguém. Até que um dia será
notado. E suas lições aprendidas.
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