Monday 30 March 2015

Mangabeira, a Vanguarda e os Evangélicos

É sempre cativante ler, ouvir ou ver o Prof. Mangabeira Unger. A lucidez lógica do pensamento, a visão abrangente do fenômeno social, a ótica do direito enquanto atividade transformadora aliados à exuberante energia promove um espetáculo algo raro nos intelectuais de hoje.
Sua obsessão recente é a promoção do que ele chama de democratização da oferta através de práticas da vanguarda do capitalismo que, dentre outras coisas, está fundamentada no princípio de competição cooperativa. Os setores da vanguarda econômica teriam segundo ele restringido a competição ao essencial, e fora de escopo praticam modelos cooperativos em busca de ganhos de eficiência. Isto é claramente evidente no setor de tecnologia de ponta. A explosão dos esforços cooperativos das grandes empresas de vanguarda em tecnologia é de fato impressionantes: do financiamento do Linux, passando pela liberalidade de abertura de códigos (até a temerária Microsoft aderiu à tendência numa tentativa de manter-se relevante), à proposição de protocolos e sistemas de hardware padronizados. Dentre várias outras iniciativas.
Mas soa bastante artificial à primeira vista a exposição de tal modelo de negócios ao Brasil. Falta o exemplo ao professor. O que é curioso, uma vez que o grande exemplo de vanguarda produtiva no Brasil está na cara. Quer por esnobismo intelectual, afastamento cultural ou qualquer outro motivo, passa-lhe desapercebido. A vanguarda produtiva no Brasil é o movimento evangélico. Não me importa aqui discutir os seus aspectos religiosos, seus aspectos culturais, ainda que tremendamente interessantes em si mesmos. Quer olhar o movimento evangélico enquanto fenômeno econômico. Que o leitor não seja ingênuo: é um fenômeno econômico de monta. O IBGE pode não saber medir, mas é disparado o setor econômico com maior crescimento, virilidade e consistência das últimas décadas. E é claramente algo que o Brasil superou o mundo inteiro em termos de inovação, adaptação e escopo. Para os de fora a abrangência da atividade econômica não é evidente: não se trata de cultos ocasionais aos domingos. Existe toda uma gama de atividades circunscritas à vida comunitária das igrejas que é absolutamente impressionante: aconselhamento espiritual, psicológico, marital, atividades de convívio, shows musicais, bazares, ações sociais, literatura, música, teatro, etc. Estamos falando de algo talvez da ordem de 3% do PIB em atividades econômicas. Algumas remuneradas, outras não: mas atividades econômicas de qualquer jeito.
Como isto é possível? Justamente pelo princípio da cooperação competitiva. É óbvio que as diversas igrejas estão competindo entre si: basta ver a densidade de templos, dos mais extravagantes aos mais simples, em qualquer grande centro urbano país afora. Nem por isso elas deixam de cooperar entre si. Quer por motivação espiritual quer por interesse econômico elas entendem que cooperando são maiores do que simplesmente competindo. Cooperando elas atentam contra a retaguarda econômica representada pelas manifestações religiosas tradicionais: católicos, protestantes, espíritas e umbandistas são igualmente incapazes de enfrentar em pé de igualdade esta nova explosão econômica. Da mesma forma que as empresas da velha tecnologia são incapazes de afrontar a vanguarda econômica da nova tecnologia. Ou você adere a esta vanguarda do sistema produtivo (wallmart talvez seja um grande exemplo), ou reconhece a inevitabilidade de seu fim (IBM talvez seja um grande exemplo).

Em termos econômicos não há nada de diferente entre o vale do silício e o movimento evangélico no Brasil. Os dois representam o estado da arte em seus respectivos setores. Um é celebrado universalmente como exemplo da nova economia. O outro não parece ser notado por ninguém. Até que um dia será notado. E suas lições aprendidas. 

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