Se algo ficou evidente nestas manifestações do dia 15, se é
que havia alguma ambiguidade antes, é que o que se passa em SP é
qualitativamente diferente do que se passa no resto do Brasil. E sem entender
as reais causas disto qualquer resposta política será irrelevante. O discurso
corrente do governo apontando para o conservadorismo e proselitismo paulista é
patético. Tampouco a oposição, ou melhor, as oposições, parecem ser capazes de
organizar um conjunto coerente de ideias para expressar sua angústia. Para mim
é bastante evidente que esta angústia decorre da decadência econômica de SP.
Decadência ainda não totalmente manifesta nas estatísticas, mas aparente na
constatação de que a vanguarda econômica do Brasil não está em SP. Pela
primeira vez em muito tempo. A fronteira do agronegócio, a mineração, a
extração de petróleo, as iniciativas de energia renovável, as grandes obras de
infraestrutura e mesmo a enorme expansão do comércio e dos serviços, não
encontram em SP seu epicentro.
Mas a causa profunda da decadência não reside na geografia
ou mesmo na política. O modelo econômico de SP baseado nas multinacionais, no
sistema financeiro e na mídia nacional se esgotou, cada qual a seu modo, em
decorrência da evolução tecnológica. No caso das multinacionais, o movimento de
centralização global do processo empresarial retirou grande parte do poder de
barganha da burocracia empresarial local. As assimetrias de condições de
trabalho entre empresas multinacionais e empresas nacionais, que em nossa
compreensão decorriam da usurpação por parte da burocracia empresarial das
filiais de parte do poder de mercado das matrizes, simplesmente desapareceu.
Estas condições não apenas alimentavam diretamente os termos de trabalho dos
empregados das multinacionais mas também todo o universo de empresas e
profissionais liberais que viviam de prestar serviços a estas. A equalização
das condições laborais da empresa nacional com as multinacionais teve como
impacto indireto a quebra das vantagens competitivas daquelas outras empresas que
gravitavam em torno das multinacionais. A competição passou a ser mais igual, o
que certamente abriu espaço para o florescimento de outras empresas em outros
estados.
O impacto tecnológico no sistema financeiro é bem menos
sutil. A partir da década de 1980 quando o estado da arte em tecnologia da
informação viabilizou a centralização total do back office do setor financeiro, isto implicou numa enorme
concentração de postos de trabalho nas respectivas sedes. Como o sistema
financeiro concentrou-se profundamente em SP, e como foi e continua sendo, uma
atividade altamente lucrativa, isto propiciou a proliferação de um sem número
de postos de trabalho altamente remunerado em termos relativos sem nenhuma
contrapartida na grande maioria dos demais estados. Mas a tecnologia continuou
evoluindo, e o nível de automação propiciado, reverteu pêndulo mais uma vez,
agora em direção à rede de agências e serviços financeiros. A importância do
valor adicionado pelas atividades da sede declinou substancialmente em relação
ao valor adicionado pelas atividades comerciais descentralizadas nos últimos
anos.
Finalmente, no que se refere à mídia nacional o impacto da
tecnologia é tão universalmente compreendido que não cabem explicações
adicionais. É uma atividade que se descentralizou de forma permanente e
consistente. A informação e em certa medida a cultura torna-se ou radicalmente
local ou radicalmente global, e dificilmente um novo movimento de centralização
ocorrerá. O que ainda subsiste provavelmente sumirá com o tempo.
Tendo sido diagnosticados os vértices da decadência
econômica de SP, resta a proposição de uma alternativa. Num mundo ideal esta
alternativa surgiria organicamente da própria sociedade, mas falta-lhe
liderança, falta-lhe coordenação. Não é demais esperar que pelo menos parte da
iniciativa venha do poder público, com sua invejável envergadura econômica e
decorrente capacidade de conglomerar recursos. E como há pelo menos vinte anos
o poder político discricionário vem sendo profundamente centralizado no poder
federativo, é demasiado ingênuo que se cobre esta iniciativa primordialmente
dos governos locais. Com o poder vem a responsabilidade. E há muito tempo o
poder federal abstém-se da responsabilidade de liderar SP como nova vanguarda
econômica. Muito pelo contrário, em sua opção preferencial pelos pobres, não
somente pela renda, mas também pela geografia, o governo central imputa ao povo
de SP o peso das transformações necessárias do Brasil sem nada oferecer-lhe em
troca. SP se beneficia da prosperidade nacional? É claro que sim. Isto é
suficiente para gerar uma nova onda de desenvolvimento autônomo, dinâmico e
criativo? Não. É disto que SP precisa. Urgentemente!
Presidenta, o povo de São Paulo não quer saber se a Sra.
governa para 200 milhões de Brasileiros. Queremos saber se a Sra. governa para
26 estados. SP não quer as grandes obras, não quer grandes programas
redistributivos, não quer grandes verbas. Quer liderança, quer estratégia, quer
uma visão, enfim quer uma política. O Brasil viveu nos últimos 12 anos da
ilusão que poderia promover uma estratégia de desenvolvimento sem ter SP como vanguarda.
Não deu certo. Nunca daria certo. Tentemos de novo, agora de forma coordenada. Que
não se impute mais qualidades ao povo de SP que não lhe são próprias. Este povo
recebeu de braços abertos povos do país e do mundo. Este povo foi vanguarda
política, berço dos movimentos progressistas modernos. Não é um povo, em sua
vasta maioria, reacionário e intolerante.
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