A maior farsa das teorias clássicas acerca de economias
abertas e comércio internacional consiste na hipótese infantil de que se trata
de um jogo cooperativo entre semelhantes, cada qual definido pelas suas
capacidades produtivas, saber tecnológico e disponibilidades de recurso
natural. O comércio, reza a ortodoxia, seria reflexo destas condições,
naturalmente induzido pelas vantagens comparativas de cada um. Finalmente, o
fluxo de capital proporcionaria um nivelamento de oportunidades, pelo qual uma
dada economia, numa dada conjuntura histórica e fase de desenvolvimento,
poderia prover-se, através de endividamento ou coisa que o valha, de recursos
econômicos além dos oferecidos organicamente pela sua estrutura social e
natural. Daí a interpretação corrente de déficits em conta corrente como
reflexo da escassez de poupança doméstica: uma economia apela para poupança
externa em virtude de sua incapacidade circunstancial de prover ao mesmo tempo
os recursos econômicos para a satisfação de suas necessidades de consumo e
investimento. Em última instância o déficit em conta corrente seria nada menos
do que a expressão da escassez da força de trabalho, quer em quantidade quer em
qualidade.
Se é que algum dia tiveram estas teorias algum mérito, estando
aplicadas à contemporaneidade, são simplesmente pueris. Hoje, no comércio
internacional, pouco se transaciona de valor adicionado pelo trabalho fabril.
Algumas pessoas fantasiam plantas de manufatura infinitas na China exportando o
suor de seus trabalhadores e sentem algum desejo infantil de querer uma parte
no negócio. Ingenuidade. O que se transaciona hoje é acima de tudo recurso
natural, quer bruto ou componente de produto manufaturado, patentes, marcas e
tecnologia. A intensidade do trabalho manufatureiro no produto do comércio
mundial foi dizimada pela enorme onda de automação industrial nas últimas
décadas. Logo, uma economia que pratica déficits em conta corrente não está de
forma alguma importando recursos humanos que lhe são escassos, antes estão
primordialmente remunerando o complexo sistema de propriedade intelectual e
poder de mercado que caracteriza as estruturas produtivas contemporâneas.
Nesta visão, tem que se tomar muito cuidado com o modismo de
denunciar a desindustrialização da economia Brasileira. Primeiro por que é inútil
querer competir com os emergentes asiáticos em sua estrondosa escala produtiva,
em sua inigualável capacidade logística, e sua invejável capacidade de impor
repressão financeira. O Brasil está no lugar errado do mundo, não tem densidade
populacional, não tem estrutura social e muito menos institucional para
promover qualquer destas coisas. Qualquer iniciativa concreta de repensar
criativamente o sistema produtivo Brasileiro tem necessariamente que ir direto
à fonte do problema. Não se trata do trabalho industrial, não se trata do
elevado grau de produtividade aparente (por distorções da metodologia
conceitual da mensuração da atividade econômica) que a indústria confere à
economia. Se trata de aliviar, sem violar acordos internacionais, o enorme fardo
da remuneração das marcas, das patentes triviais impostas por poder de mercado,
de tecnologias que poderiam ser facilmente inseridas no sistema produtivo
doméstico.
E isto pressupõe uma quebra sintomática com as tradições econômicas
do Brasil. Houve um tempo em que o incentivo à proliferação de empresas
multinacionais no Brasil, forçando a presença física em larga escala das
mesmas, empregando enormes contingentes para na sua burocracia corporativa e de
prestadores de serviços associados, trazia efetivamente benefícios econômicos.
Deveras não são raros os casos em que a burocracia corporativa das filiais
domésticas cooptou os interesses das matrizes imputando a si as benesses do
poder econômico por detrás destas mesmas empresas. O estado de São Paulo é em
grande medida reflexo disto. Só que isto não existe mais, pelo menos não na
escala para ter implicações macroeconômicas relevantes. As modernas tecnologias
de controles e gerenciamento corporativo impões restrições relevantes a ações
desta natureza. O reflexo disto é a evidente falência do modelo de
multinacionais no Brasil que continua com seu poder de convencimento político
sem oferecer nenhum benefício econômico em troca. Qualquer proposição de
política industrial no Brasil tem que ter como ponto de partida o rompimento de
uma vez por todas com este modelo. Tem que almejar muito mais.
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