Monday 3 November 2014

A Engenharia da Inflação

Como os economistas nunca nos brindaram com uma teoria efetiva e abrangente da inflação, e como depois de várias tentativas frustradas simplesmente desistiram de buscar uma, mas como a realidade econômica impunha uma solução do problema da inflação a solução adotada foi pragmática: encarar a inflação como um problema de engenharia. Em termos mais sofisticados elaborar um sistema de controle dinâmico que observando um pequeno número de parâmetros econômicos e a trajetória da própria inflação definir uma função de resposta dinâmica influindo num número reduzido de variáveis econômicas de forma que no decorrer do tempo o fenômeno inflacionário permanecesse contido. Eis que nasce o sistema de metas de inflação.

Assim posto, em termos estritamente técnicos, a função do economista seria tornada supérflua. Logo, a necessidade de revestir o sistema de metas de inflação de com uma roupagem ideológica: ancorar expectativas, identificação de choques de oferta e demanda, credibilidade, previsibilidade. Mas não se engane: é um problema de engenharia.

Fosse tal problema de engenharia resolvido com métodos puros de engenharia talvez o resultado fosse diverso. O ponto de partida seria um estudo empírico profundo da dinâmica da inflação, de suas variáveis relevantes, e do ajuste no decorrer do tempo das sensibilidades da função de resposta econômica. Mas estando revestido de ideologia, pode-se cometer um erro essencial: o economista pode estar implementando um sistema de controle que não respeite as peculiaridades da dinâmica da inflação.

Olhando para os 16 anos de implementação do regime no Brasil a incongruência da implementação do modelo com a dinâmica da inflação é patente. A meta de 4.5% vigente a bastante tempo simplesmente não parece ser atingível a não ser por profunda manipulação da taxa de câmbio. O IPCA acumulado de 12 meses só esteve abaixo de 4.5% consistentemente durante os meses entre maio de 2006 e dezembro de 2007 e entre os meses de agosto de 2009 a dezembro de 2009. E é isto. O que há de específico nestes períodos? A valorização do câmbio. De maio de 2005 (1 ano antes de maio de 2006) até dezembro de 2007 o câmbio aprecia-se de 2,60 para 1,75. Ele continua apreciando-se até os meados dos anos 2008 mas agora com um ciclo altista fenomenal de preços de commodities (o petróleo sai de US$60 o barril em junho de 2007 e bate abismais US$145 em julho de 2008) que acaba gerando inflação. Entre abril e novembro de 2009 a taxa de câmbio aprecia-se de 2,30 em média para 1,75. E de novo temos inflação abaixo de 4,5. E acabou por ai.

Como nem o mais demente analista vai defender que os juros reais praticados no período foram baixos, cabe a pergunta: será que a meta de inflação de 4,5% é realista? Visto dentro do escopo ideológico, a meta de inflação não é uma propriedade da dinâmica da inflação, mas o patamar ao qual o agente da política monetária ancora as expectativas. Só que o Brasil é ainda uma economia totalmente indexada. Todo choque temporário de preços é tornado permanente pelo pacto social da indexação. É portanto legítimo o raciocínio de que existe uma inflação residual na economia brasileira, advinda da inflação. E se esta inflação residual não for baixa. E se esta inflação residual for ela própria maior do que 4,5%? É uma hipótese que não pode ser descartada de antemão. Ele parece bem substanciada na dinâmica histórica da inflação brasileira. Uma inflação a taxa de câmbio constante ao redor de 5,5% parece ser bem mais condizente com o histórico da inflação brasileira.

Cabe então a provocação: será que o regime de metas de inflação no Brasil está tentando impor um nível de inflação inadequado à realidade social brasileira? Se o problema é posto como mero problema de engenharia a provocação é certamente substanciada pela evidência empírica. 

2 comments:

  1. Companheiro, então quer dizer que uma inflação de 4,5% é inadequada para a "realidade social brasileira"? O senhor acha, então, que o povo brasileiro, especialmente os mais pobres, está condenado a ter uma inflação mais alta que a do mundo? Dever de casa: vá ao site do FMI e verifique. A inflação média dos ricos está em torno de 1,9%, a do mundo em 3,5% e a dos emergentes (incluídos párias como Argentina e Venezuela, que provocam aumento da média) em 4,7%. A do Brasil tem girado em torno de 6,5%, mas já está acima desse patamar. O senhor sabe o que isso significa? Menos comida na mesa do assalariado brasileiro e menos emprego.

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  2. Bem, estamos bem abaixo pelo menos desde Abril de 2017.

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